Inscrições Abertas em caráter de lista de interesse.

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Inscrições abertas (clique na imagem) em caráter de lista de interesse. Previsão de início: abril de 2014.

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Fiar a escrita na Universidade Nova de Lisboa

Fiar aescrita: exercícios e experimentações para um escrever ciência

Organização: IELT – Instituto de Estudos de Literatura Tradicional e Travessia Grupo de Pesquisa - UFJF
Local: FCSH-UNL

Data: 26 de Fevereiro de 1014

Uma roda de estudantes, professores, investigadores e artistas e entre eles lãs, novelos, rocas, tecidos, agulhas, teares, fios e uma pergunta por onde pegar: como fazer ciência viva e criativa?


O desafio partiu de Ana Veiga, investigadora brasileira: se concordamos que a Academia formatou demasiado os seus textos e processos e que é necessário devolver à escrita científica uma ligação à emoção, ao corpo, ao material, porque não criamos um espaço de experimentação que ajude a oxigenar a produção científica? Concordamos. No IELT estudamos as literaturas de tradição oral, os saberes e fazeres da cultura popular, a ligação entre tradição e modernidade, matérias tradicionalmente marginalizadas pela Academia e que tanto nos têm ensinado sobre a importância do sensorial e do corporal na aquisição do saber.
E assim nasceu a oficina “Fiar a escrita: exercícios e experimentações para um escrever ciência”. Objectivo: colocar as artes manuais e literárias ao serviço da escrita académica. Metodologia: aliar os ensinamentos da escrita criativa e da narração oral a uma prática artífice e sensorial da escrita, promovida no contacto com as manualidades e com as histórias contadas e explorada num “esquizodrama de fiação”.

Na sala preparada, minutos antes de começar o encontro, Nina Veiga, a investigadora que desafiou o IELT a organizar esta oficina
Claro que ninguém sabia exactamente ao que vinha, nem sequer os animadores da sessão: o escritor e professor Rui Zink, as artista-artesãs Diana Regal, Guida Fonseca e Inês Carrelhas, o historiador de cultura e educação Jorge Ramos do Ó, a psicóloga, contadora de histórias e investigadora do IELT Cláudia Fonseca, e Sônia Clareto, coordenadora do projecto “Travessia Grupo de Pesquisa”, do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora (Brasil) que acolhe a pesquisa de doutoramento de Ana Veiga. Mas isso não impediu que as 20 vagas disponíveis fossem rapidamente preenchidas por um grupo de proveniências tão diversas quanto nós gostaríamos: várias alunas do mestrado em Educação Artística na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, uma doutoranda em Educação do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, uma doutoranda em História da Arte na FCSH/NOVA; alunos de Sociologia, Estudos Portugueses e Edição de Texto na FCSH/NOVA, uma educadora social, uma artista plástica, investigadores e professores de Psicologia, História, Tradução, Linguística, pedagogia Waldorf.
Nina Veiga iniciando um dos participantes na arte do tricot
Pouco passava das 9h quando Nina Veiga deu por aberta a sessão e convidou os participantes a meter as mãos nos fios espalhados pelo chão. Mais tarde há-de contar a alegria que teve de ver toda a gente de fio na mão, e de lhe virem dizer o tanto que o tricotar, o fiar e desfiar ajudaram à concentração na conversa que se foi tecendo.
Jorge Ramos do Ó teceu reflexões sobre o seminário de leitura que coordena no Instituto de Educação da Universidade de Lisboa. Ao contrário da tradição escolástica, que pressupõe a adesão a uma escola de pensamento, cada qual com um meta-discurso sobre o seu próprio discurso, numa relação vertical professor-aluno, no seminário coordenado pelo historiador de cultura e educação a leitura é feita em conjunto, numa dinâmica de leitura-escrita, sendo o leitor alguém que escuta o potencial do texto mais do que emite juízos judiciais sobre ele.

Jorge Ramos do Ó e a leitura como escuta do potencial dos textos
Rui Zink foi prodigioso nas dicas para tecer um texto até ao fim. Comece-se pela “lista de compras”: sabendo-se ao que se vem tudo será mais fácil, até porque todos conhecemos as figuras de estilo, mesmo quando lhes desconhecemos o nome. Procurar a leveza, qualidade literária sublinhada por Italo Calvino, e nunca tentar ser imaginativo - a imaginação nunca vem quando a convocamos. Fundamentalmente, esquecer os mitos sobre a escrita, como o mito do génio por exemplo. "Salieri é que deveria ser o nosso herói, e não Mozart, porque a Mozart bastava-lhe ser um génio e Salieri tinha de trabalhar todos os dias. É preciso escrever todos os dias sem grande esperança, como dizia Karen Blixen. Escutar o corpo e encontrar em cada dia a técnica que serve melhor para resolver os problemas desse dia". E depois reescrever. O processo de revisão no trabalho criativo, resume-se na seguinte fórmula (tradução do mandarim): "quando escrevo a minha mente segue a minha caneta, quando reescrevo é a minha caneta que segue a minha mente."
Desmistificações e alguns truques para escrever melhor, por Rui Zink
Coordenadora do "Travessia Grupo de Pesquisa”, Sónia Clareto defendeu uma ciência que se opõe aos modelos de verdade e se assume como ficção (não oposta à realidade), uma ciência que responde ao "como funciona" mais do que a "o que significa". A invenção narrativa devolve à ciência a vida com a sua variação e multiplicidade.
A propósito de narração e de escrita, Cláudia Beatriz Carvalho Fonseca contou o caso de uma paciente que resolveu a vida no dia em foi capaz de resolver a escrita. "Porque a capacidade de organizar a própria história, a própria narrativa, é um sinal de saúde mental", ou, como diz Lídia Jorge, "quem sabe contar tem de saber ser". E depois contou a história da tia Nevinha, que fica para um dia em que possam ir escutá-la ao vivo, e que serviu para ilustrar como a escrita passa por um olhar para dentro. Cláudia Fonseca falou ainda das semelhanças entre os contos e os sonhos e a esse propósito contou uma história sobre sentidos e sabedoria.

Sônia Clareto e o regresso à Gaia Ciência 
Sônia Clareto pegou na ideia do corpo sensível - o da lavadeira da história de Cláudia -, que conhecia os tecidos como ninguém, para regressar à necessidade de ultrapassar a velha dicotomia que desde Sócrates e Platão opõe razão a sentimento, alma a corpo. Como nos ensinou Friedrich Nietzsche em A Gaia Ciência (1882), a cabeça só pensa dentro de um corpo.
Sônia Clareto defende com Guimarães Rosa que o real não se revela no princípio nem na chegada mas no meio da travessia
A artista e artesã Diana Regal falou-nos de técnicas de tecelagem e das relações dos tecidos com os textos, que partilham com os romances uma teia e uma trama, e depois construiu um tear humano. O tecido que assim se teceu precisou, como uma tese, de uma estrutura - o Estado da Arte dos textos sobre cada tema. Sobre ela se pôde depois "tecer ao coração" ou a "tecer ao sentimento", que é como as fiadeiras chamam ao trabalho criativo, ornamental - texto novo, autoral.
Tecer a 40 mãos e ter a noção individual do conjunto da obra. 'Linhas com que me coso / linhas com que me ouço/ linhas com que me ouso' são versos de um poema maior de Regina Guimarães que Diana Regal partilhou com a (pla)teia.

Guida Fonseca falou da ancestralidade que os fios transportam em si e do movimento encantatório da roda de fiação: "eu também estou a escrever com as cores e as texturas, e estou a olhar para dentro e a pôr ordem no caos, a religar as coisas". Inês Carrelhas é uma desfiadora, desfaz os fios para lhes dar a forma e textura mais adequadas aos tecidos que passa a vida a tecer.




Divididos em grupos, os participantes entregaram-se finalmente ao "esquizodrama de fiação" com missão semelhante à que Ana Veiga definiu para a sua própria investigação: "dar língua às vivências da pesquisa que deslocam o pensar dos sentidos fixados para novos sentidos". A solução foi construir objectos híbridos textil/texto, depois apresentados na roda de partilha.
Guida Fonseca (ao centro) e Inês Carrelhas (à direita), profissionais da tecelagem e tapeçaria contemporânea

Antes do remate musical de Cláudia Fonseca e Rini Luyks, com valsas dançadas e canções sertanejas, alguém sintetizou a impressão geral dos participantes: “Ainda não percebi tudo o que aconteceu hoje, mas sei que a escrita da tese se tornou menos assustadora e mais divertida”. Fica talvez assim expressa a promessa de uma ciência mais feliz.

Cláudia Fonseca e Rini Luyks encerraram o convívio com O drama de Angélica – poema em verso esdrúxulo - e Romance de uma caveira, da dupla Alvarenga e Ranchinho

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